Meu grande sonho era ter um parto de ursa.
Por acaso você sabia que as ursas parem seus ursinhos ENQUANTO hibernam? Surreal, não? Ou seja, dona ursa engravida no verão, cava sua toca no outono, vai dormir quando o frio aperta, entra em trabalho de parto e nem tchum, pare os toquim de urso enquanto puxa o ronco, amamenta em livre demanda sem nem notar e quando ela acorda as peludices catarrentas já estão lá praticamente criadas: dormindo sem ninar, andando sem cair, com todos os dentes na boca e se bobear já estão até desfraldadas (ô inveja!).
Claro que nem tudo são flores, já que pra cria ter chance de sobreviver dona ursa tem que engordar pelo menos 200 kg. Sim, duzentinho. O interessante é que até o final da hibernação a danada consegue perder tudinho, acredita? Também pudera, experimenta ficar 6 meses numa caverna sem comer, parindo, amamentando pelo menos um par de ursinhos famintos com um leite 33% gordura (o humano tem 3%) e ainda tendo que manter uma camada adiposa suficiente pra manter a galerinha toda aquecida durante um inverno invernoso. Mole não. Principalmente se as bolinhas de pelo nascem com 500 g, mas pesam entre 10-20kg no final do inverno. Ui!
(Por isso nao é de se admirar que mal chega a primavera a ursarada saia que nem doida da hibernação cruzando quintais alheios em plena luz do dia em busca de alimento, né? Pensa bem. Mole não mesmo!)
Então. Mas acontece, que bem ao contrário das ursas, a experiência que eu tive parindo meu primeiro filho não chegou nem perto dessa naturalidade toda de “vou lá dar uma dormidinha e quando eu acordar te apresento meu filho”. Podia, né? Mas tudo o que eu conseguia pensar quando engravidei pela segunda vez, era em como diabos aquela criaturinha iria sair de dentro de mim. Mas tive meus motivos. Assunta aí o resumão do parto do Nic pra você entender.
Na gravidez dele, que durou 41 semanas e 1 dia, tudo o que eu mais tinha era tempo. Tempo pra pesquisar, ler, fazer ioga, kegels, participar de grupo de discussão, grupo de grávidas, fazer plano de parto, me envolver, me preparar – afinal, eu queria um parto o mais natural possível. Nessa época a gente morava na Austrália. Mas como é impossível prever e se preparar pra tudo nessa vida, nunca imaginei que eu viria a sentir tanta dor, por tanto tempo, pra tão pouca dilatação. Frustrei e surtei. Mas faz as contas aí, amiga. Foram 23 horas de pródomos com contrações doloridas a cada 10-4 minutos que me dilataram 2 cm, mais 10 horas com contrações mutantes a cada 5 minutos que não me renderam NENHUMA dilatação e mais 13 horas com contrações mutantaças a cada 5-3 minutos. Tudo isso, tendo ficado dois dias e duas noites sem dormir e sendo acompanhada por uma equipe com a qual eu não tinha sintonia. Pra piorar, Nic estava mal posicionado e por mais forças que eu fizesse ou diferentes posições que tentasse nas 3 horas de expulsivo, ele não descia. Terminei com o combo analsegia-epsiotomia-extração-a-vácuo. Nic nasceu com 4,15kg e uma senhora duma cabeça.
Ou seja, quando engravidei da Lily eu estava TODA trabalhada no trauma. Medo, muito medo de tudo aquilo se repetir. E sabe o que que o medo faz, né? Ele gera tensão, que gera dor, que gera? Mais medo! Dai começa tudo de novo. É o famoso ciclo medo-tensão-dor.
Por isso, quem me dera ser ursa quando me vi grávida de novo, mesmo com a perspectiva de ter que engordar 200 kg, viu… Mas eu nao era ursa, a Lily tinha que sair de mim de alguma forma e tudo o que eu sabia é que EU não queria que fosse pela barriga. Então só tinha uma saída: tentar me livrar daquele estorvo psicológico.
O plano de ataque
Uma das formas que eu encontrei pra combater meu medo, foi falar dele, MAS nunca no blog. Não sei se alguém reparou, mas nunca cheguei a escrever aqui sobre minhas expectativas do parto quando estava grávida da Lily. Simplesmente porque eu não estava afim de expor meu medo assim.
Mas acabei falando pra algumas pessoas. Conversei muito com meu marido, amigas daqui do Canadá, minha amiga Si, além de algumas fofas da blogosfera. Uma delas e que me ajudou muito (mesmo sem saber) foi a Cíntia, que também teve um parto difícil e sabia do que eu estava falando (né fiona?). Além da Dani e da Fabi, com as quais troquei vários emails e elas sempre me motivando: vai dar tudo certo, Lu, confia! :: Muito obrigada a todas vocês!
* * *
Mas o mais importante que fiz foi analisar o que tinha saido errado no primeiro parto pra tentar fazer diferente no segundo. Um dos grandes problemas no primeiro, foi não ter podido escolher a equipe que estaria comigo. Imagina você, que se o parto é um dos momentos mais íntimos e intensos que uma mulher pode ter na vida, se o ambiente não tem o mínimo de respeito e good vibes, como ela pode se sentir acolhida, confiante e à vontade pra se entregar, se transformar, virar bicho se quiser?
Pois bem, essa foi a primeira coisa que eu decidi que tinha que ser diferente. Felizmente, consegui uma midwife com a qual estabeleci um vínculo forte e de confiança desde o início da minha gravidez, uma doula que mora a um quarteirão da minha casa e tratei de conhecer melhor o meu corpo. Pra isso, tive a sorte de ser encaminhada a uma fisioterapeuta especializada em fisiologia feminina, que além de muito conhecimento, tinha também muita empatia e perspicácia.
Foi por causa dela, que hoje conheço meu corpo melhor que em qualquer época da minha vida. Ela reparou que eu tenho a pélvis um pouco rotacionada pra direita e pra baixo (devido a uma perna minha ser um pouquinho menor que a outra – normal, viu gentz?), e que por causa disso alguns músculos da pélvis eram mais tencionados (e doloridos) que outros. Esse foi o pulo do gato pra entender porque Nic tinha ficado “agarrado” na hora do expulsivo. A partir disso, ela identificou todos os músculos que poderiam me atrapalhar ou ajudar na hora P, me ensinou massagens locais, a melhor postura pra me sentar e ficar de pé, diferentes tipos de Kegel e exercícios de respiração. Depois orientou toda a equipe que me acompanharia, incluindo meu marido, que independente da posição que eu terminasse no parto, eu deveria tentar rotacionar minha pélvis um pouco pra esquerda pra balancear e ajudar a saída da Lily.
Tanta informação me ajudou a resgatar de forma incrível a minha confiança em um parto redentor, mas não a ponto de tentar um parto domiciliar. Desta vez, meu maior plano seria não ter plano, mas agir de acordo com meu instinto. Senti que no parto do Nic eu tinha me cobrado demais e que se tivesse sido mais flexivel durante o processo, eu talvez tivesse hoje uma memória mais positiva daquela experiência toda (who knows?). Por isso, disse à minha midwife que se em algum momento eu achasse necessário, gostaria de ter a opção da analsegia.
Hora nenhuma ela se opôs, conversamos sobre os riscos e ela me disse que essa era uma decisão muito pessoal minha. Acrescentou que uma boa forma de eu avaliar se precisava ou não da analsegia, era tentar mensurar minha dor durante o trabalho de parto. Se o que eu sentisse fosse forte, porém suportável, que eu deveria tentar continuar sem a anestesia, mas se eu estivesse realmente SOFRENDO e a dor estivesse me impedindo de aproveitar a magia do momento, apesar de todas as outras técnicas pra ameniza-lá, então podia ser o caso pra analsegia. Assim, ela sugeriu que eu escolhesse uma palavra “secreta”, uma que eu não costumo dizer com freqüência e que seria de conhecimento de todos que me acompanhassem no TP. De cara tive que descartar as palavras “bizarro”, “sorvete” e “aijesuis”. Acabei escolhendo “Madagascar” por causa de um filme ótimo do Woody Allen onde ele entra num transe hipnótico toda vez que escuta isso. Vai que, né? Mas enfim, se em algum momento eu gritasse “Madagaaaaaascar”, minha midwife teria certeza que eu tinha chegado no meu limite e chamaria o anestesista sem tentar me convencer do contrário.
Com isso, todo o resquício de medo que porventura ainda existia dentro de mim se foi e a partir desse momento passei a me sentir mais confiante que tubarão em festa de sardinha.
Na verdade, eu me sentia uma ursa.
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