“Viajare con crianzae pode ser bonno, malum o terriblae. Dependum de la perspectivae, et também se habemus mamam, se habemus papam et como agem los duo.”
Proverbium latinum.
Depois da última viagem às terras tupiniquins, jurei pra mim mesma que só voltaria após a invenção do teletransporte.
…
– Seu nome, por favor.
– Luciana Azevedo.
– Passagens somente pra senhora, Sra. Azevedo?
– Não, também vou levar minha filha de 1 ano e meu filho de…
– Desculpa interromper, mas não precisa dizer mais nada. A senhora aceita uma taça de champanhe?
– O-o que está acontecendo? Peraí, isso é chuva de confetes?
– Sua família acaba de ser automaticamente promovida à primeira classe em todos os voos de ida e volta pelo preço da econômica! Parabéns!
– Me-mesmo?
– Sim! E por terem dois filhos pequenos, vocês ainda terão uma limosine à disposição pros traslados devidamente equipada com chofer, manicure, duas cadeirinhas pras crianças, cookies de semente de girassol e chia, tábua de frios e uma vasta seleção de vinhos franceses. Tudo sem custo adicional!
…
Gente! Custava???
Mas não. Sabem o que fazem do contrário?
Colocam uma mãe, um pai e uma criança de dois anos que nunca tinha dormido uma noite completa na vida, confinados no meio de uma estúpida fileira de 5 assentos no meio do avião. Imagina a situação. Duas pessoas e meia enclausuradas por 10 horas noturnas em três poltroninhas esmirradas (não no sentido de terem sido feitas de mirra… [porque lembra, né? Ouro, mirra e incenso?] … mas no sentido de serem apertadas mesmo – só pra esclarecer).
Pra piorar, ouvi dizer que a mãe em questão, coitada, ainda sofreu requerimentos intestinais a cada meia hora durante todo o voo.
Se fosse comigo, eu só não pedia pra morrer ali mesmo porque tenho superstição pra essas coisas.
* * *
Agora, pior que isso, é passar todo um perrengue desses, enquanto do seu lado tem um casal fofo, todo trabalhado no filminho, sonequinha e comidinha de avião, com um filho que dorme o voo todinho, sem dar um pio.
Aí não!
Passei exatamente por isso nas 28 horas de voo da Australia pro Brasil, quando o Nic estava com 5 meses e tinha refluxo. O avião era até bacana, equipado com bercinho e tudo, mas era como ter um banquete na nossa frente e não poder comer, sabe? Veja bem, pra começar, eu passei metade do tempo de voo em pé no corredor, dançando forró com o iPod coladinho no ouvido do Nic, pois essa era a única forma que ele dormia. Eu cansei de escutar os atendentes me implorando pra sentar e colocar o cinto, e até aprendi a ignorar a cara de interrogação dos gringos olhando pra mim. Tudo isso, pra colocar o Nic no berço e ele acordar – enquanto o vizinho não acordava nem pra dizer “nhém”.
Brutal.
Ou seja, enquanto eu saí do avião tonta de cansaço, zonza de inveja e enjoada de todo aquele Fala Mansa na minha cabeça, os pais dessa criança dorminhoca devem ter saído propagando que voar com bebê é mamão com mel, de tão doce.
Perspectivas diferentes.
Daí, que esse ano, só posso ter batido a cabeca em algum lugar, porque decidi ir de novo pro Brasil. E pior, com uma criança a mais.
Felizmente, quem tem marido que viaja muito, alem de aprender a escovar os dentes com o pé, ainda tem chances de conseguir promoção pra classe executiva com as milhas acumuladas.
Não precisamos de esmola não, viu suas airlines?
* * *
(as quiança tudo de pijama no aeroporto)
Entro no avião às 10:30 da noite.
À medida que me aproximo do meu assento, mal consigo conter uma lágrima furtiva de emoção. “Amor, me belisca (mas não com força) que eu só posso estar sonhando” – consigo balbuciar.
Ali, à minha frente, se encontrava a visão mais espetacular que uma mãe em espaço aéreo pode sonhar: poltronas individuais, confortáveis e com-ple-ta-men-te reclináveis. PERFEIÇÃO. O Éden sobre duas asas.
Até que eu sento e me dou conta que o tal Éden era estreito demais pra mim e Lily.
Acredito que o resto do voo vocês mesmos podem adivinhar como foi. Só quem já tentou dormir com uma criança de sono leve encima de si próprio, e tentou com todas as suas forças ignorar aquela coceirinha persistente na beirada do umbigo, sabe que a situação fica insustentável depois de meia hora. Ou mesmo 1 minuto, dependendo da coceira.
Ali eu fiz de tudo, colegas. Tentei dormir sobre meu ombro pra caber a Lily do meu lado, troquei de lado, voltei com ela pra cima de mim, ela escorregava, eu a sustentava com o braço, o braço adormecia, eu virava de lado outra vez, ela acordava, eu dava peito, punha travesseiro, tirava travesseiro, chorava.
Oito horas se passaram e eu não preguei os olhos. Tanto tempo fazendo cama compartilhada, pra descobrir que não sei compartilhar poltrona.
Olho pro relógio, faltam 2 horas pra pousar. Tento abstrair, lembrar das minhas aulas de ioga e me transcender pra um nível superior de pensamento. Penso no quanto somos afortunados por termos conseguido o upgrade, que raras famílias têm essa oportunidade, e como era bom saber que o Nic e o Rafa estavam ali, confortavelmente instalados nas poltronas ao lado.
Peraí.
Rafa. Confortavelmente instalado. Hm.
É, nunca fui boa em ioga mesmo.
Pro inferno com esse negócio de elevar o espírito. Ao invés, elevo minha cabeça pra chamar o pilantra pra me ajudar. Mas sem chance, as cadeiras são altas demais e incomunicáveis. Nesse momento meus olhos passam pelo homem à minha frente: tranquilo, relaxado, sentado comodamente com suas pernas esticadas, encosto semi-reclinado, sorvendo sem pressa o seu café matinal, enquanto assiste à sua ampla seleção de lançamentos. Puto.
Nisso, aparece um outro ser na minha frente.
Figura sorridente, simpática e descansada. Passa a mão nos cabelos com graciosidade, faz cute-cute na bochecha da Lily e solta:
– E aí, amor, me fala se todo o tempo que você passa sozinha com as crianças enquanto eu viajo, não compensa nessas horas?
O fulmino com os olhos a ponto dele virar carvãozinho no chão. Entrego a Lily pra ele, olho pro relógio: não dá pra perder tempo, tenho 34 minutos.
Reclino totalmente minha cadeira, me deito e pela primeira vez em quase 10 horas sinto o prazer em viajar na classe executiva.